segunda-feira, 14 de maio de 2012

Profa. Dra. Sonia Tucunduva Philippi

Professora Associada, Pesquisadora e Orientadora em Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – USP. Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - USP. CRN-3 000077. Possui 13 livros publicados, sendo 4 obras organizadas, e 38 capítulos de livros. Desenvolveu o software Virtual Nutri Plus. Participou de 70 eventos internacionais e 278 nacionais.

A alimentação exerce importante papel no desenvolvimento e crescimento da criança, sendo esta fase considerada de risco nutricional, pois as necessidades energéticas e as de micro e macronutrientes são específicas quando comparadas aos outros estágios de vida. Neste contexto, para atender à demanda da criança, garantindo a promoção e manutenção da saúde, são essenciais o planejamento dietético adequado e o estabelecimento muito precocemente de uma alimentação saudável.

A sustentabilidade nutricional da criança tem início com o aleitamento materno exclusivo, que deve ser uma prática fortemente incentivada, e as mães orientadas para prolongar o aleitamento, fortalecendo o vínculo mãe-filho. O alimento acompanha o ser humano desde o nascimento. Ao longo da vida, o alimento entra na cadeia afetiva e passa a desempenhar um importante papel no relacionamento social e de autoconhecimento.

O estabelecimento do padrão saudável para a alimentação nos primeiros anos de vida é imprescindível para a garantia da promoção da saúde da criança, formação de bons hábitos alimentares e prevenção de doenças, principalmente as DCNTs (Doenças Crônicas Não Transmissíveis) atualmente presentes da infância até a fase adulta. A American Dietetic Association (ADA) afirma que crianças de 2 a 11 anos de idade, para alcançar um bom desenvolvimento físico e cognitivo, precisam de um peso adequado, de alimentos saudáveis, bons hábitos alimentares e atividade física regular para reduzir as DCNTs.

A alimentação das crianças com idade entre 2 e 3 anos de idade requer cuidados para atender às recomendações nutricionais preconizadas e atingir todo o potencial de crescimento e desenvolvimento. Para atender à demanda do crescimento e desenvolvimento e garantir a manutenção do organismo nessa fase, é essencial o estabelecimento de uma alimentação saudável. Esta pode ser entendida como aquela que promove saúde e necessita ser orientada desde a infância até a idade adulta. Deve ser equilibrada, com alimentos de todos os tipos, mas principalmente os de alto valor nutritivo, como frutas, legumes, verduras, e fibras. Tendo em vista que hábitos alimentares adquiridos na infância tendem a se perpetuar na vida adulta, estabelecer uma alimentação adequada nessa fase é importante para garantir uma vida saudável.

Atualmente a criança está inserida em um ambiente obesogênico, caracterizado pela grande oferta de alimentos saborosos, de paladar infantil, e de baixo custo, porém calóricos, ricos em açúcares e gorduras e com pouca quantidade de vitaminas, minerais e fibras. A falta de atividade física e práticas sedentárias, como ver televisão e jogos eletrônicos contribuem para o excesso de peso e a obesidade na infância.

A obesidade, quando tem início nas primeiras fases da vida, tende a permanecer ou se agravar com o avançar da idade. A probabilidade de crianças e adolescentes com elevado índice de massa corporal (IMC) apresentarem excesso de peso ou obesidade aos 35 anos aumenta significativamente à medida que aumenta a idade das crianças.

Após o aleitamento materno, que deve ser incentivado até os seis meses de vida e a introdução da alimentação complementar, a criança passa por períodos de crescimento , mas também de inapetência. A inapetência aos dois e três anos de idade pode ser resultado de fatores como: introdução inadequada dos alimentos (prolongando as papas, leite na mamadeira e retardando a oferta de alimentação da família); utilização de estratégias com brincadeiras para distrair a criança, fazendo com que estas ações facilitem a aceitação do alimento, mas impeçam a atenção no que deve ser ingerido; monotonia na oferta de alimentos; quantidades inadequadas; rigidez nos horários com as refeições principais muito próximas e oferta constante de alimentos nos intervalos (troca de alimentos rejeitados por outros de preferência da criança); ansiedade, insegurança e falta de paciência das mães, devido ao desconhecimento sobre o comportamento alimentar da criança nessa fase. O contato com novos alimentos e diferentes formas de preparo, aliados ao estilo de vida das famílias, constitui um desafio para uma adequada orientação nutricional.

A criança manifesta vontade própria para escolher alimentos de sua preferência e deve ser sempre estimulada a experimentar novos sabores e consistências. O sabor e as outras propriedades sensoriais dos alimentos, como aparência, textura, odor e cor são os principais fatores preditores; entretanto, o sabor parece ser o determinante primário da escolha humana pelos alimentos, independente de sua situação econômica ou da disponibilidade dos alimentos.

Após o primeiro ano de vida, a criança ainda depende da mãe para comer e usar os utensílios (colheres, copos), mas apresenta maior autonomia nas escolhas, pois já foi apresentada a diferentes alimentos. A partir do segundo ano de vida, essa autonomia deve ser incentivada, dando oportunidade à criança para utilizar seus próprios talheres, copos e explorar com as mãos os alimentos (frutas, legumes, verduras, carnes, pães), possibilitando o reconhecimento de texturas, temperaturas, odores e sabores.

O estilo de vida das famílias tem contribuído para que as refeições sejam realizadas individualmente, impedindo que as crianças tenham a oportunidade de conviver com os pais e irmãos e vivenciar a refeição em família. A estrutura familiar e o padrão de consumo de refeições podem influenciar diretamente o consumo e a escolha alimentar das crianças. Os pais têm um papel fundamental sobre os filhos, tanto no modelo que representam, mas também como a primeira referência que a criança tem no estabelecimento de suas preferências e atitudes alimentares.

As atitudes alimentares das crianças podem ser reflexo do modelo dos pais, expresso por práticas alimentares nem sempre adequadas. A frequente substituição de refeições como almoço e jantar por lanches, provavelmente decorre de vários fatores, como mudanças no estilo de vida das famílias, falta de tempo, necessidade de praticidade, influência da mídia, o marketing dos alimentos, a preferência pelo sabor, o hábito de comer fora, e a oferta de porções de alimentos cada vez maiores.

Os hábitos alimentares são formados por meio de complexa rede de influências genéticas e ambientais. Existem predisposições genéticas para gostar ou não de determinados gostos, sensibilidades diferentes para alguns gostos e ainda alguns sabores herdados dos pais. Essa influência genética vai sendo moldada por experiências adquiridas ao longo da vida. Os sabores apresentados à criança nos primeiros meses de vida podem influenciar as preferências alimentares futuras, pois uma vez se familiarizando com o alimento, parece que a preferência permanece nos hábitos alimentares da criança.

As crianças tendem a não gostar de alimentos quando forçadas a comer ou quando submetidas a castigos. A restrição imposta dos alimentos preferidos das crianças também pode contribuir para um consumo exagerado em situações em que não haja o controle do adulto. Os pais e cuidadores podem contribuir positivamente para melhor aceitação dos diferentes alimentos, por meio da estimulação dos sentidos, de palavras carinhosas e estimuladoras, e em ambiente calmo. Em geral, as crianças tendem a rejeitar alimentos que não são familiares, mas com exposições frequentes, cerca de oito a dez vezes, os alimentos podem ser aceitos.

O estabelecimento dos hábitos alimentares ocorre durante os primeiros anos de vida, por volta de dois a três anos. A criança aprende a gostar de alimentos que lhe são oferecidos com frequência e passa a gostar desses alimentos. Recomendam-se alimentos com baixos teores de açúcar e sal, de modo que esse hábito se mantenha na fase adulta. Alimentos muito doces, muito salgados ou muito gordurosos fazem com que as crianças não se interessem por consumir frutas, verduras e legumes na sua forma natural.

Não são recomendados nos primeiros anos de vida alimentos como açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos, biscoitos recheados e outros alimentos com grandes quantidades de açúcar, gordura e corantes. As crianças já nascem com preferência ao sabor doce; portanto, oferecer alimentos doces, bebidas e líquidos adicionados de açúcar faz com que a criança se desinteresse pelos alimentos salgados, verduras e legumes, fontes de nutrientes importantes. As crianças podem tomar água durante o dia e suco de fruta natural, sem adição de açúcar, nos intervalos das principais refeições.

Planejamento dietético individualizado para crianças de dois e três anos de idade

Entre os aspectos que devem ser considerados para um planejamento dietético adequado, o quantitativo deve ser cuidadosamente planejado para se ter bons resultados na prescrição dietética infantil.

As recomendações nutricionais devem ser feitas de acordo com a idade, gênero, peso e estatura da criança. Como exemplo, tem-se para as idades de 1 a 3 anos as seguintes recomendações (quadro 1), 30 a 40% de gorduras totais, 45 a 65% de carboidratos e 5 a 20% de proteínas em relação ao valor calórico total da dieta da criança.

Quadro 1. Dietary reference intakes (DRIs) para crianças de 1 a 3 anos de idade: intervalos de distribuição aceitável dos macronutrientes

Macronutrientes
1 – 3 anos
Gorduras totais
(ômega 6) ácido linoleico
(ômega 3) ácido linolênico
30 – 40%
5 – 10%
0,6 – 1,2%
Carboidratos
45 – 65%
Proteínas
5 – 20%

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