Professora
Associada, Pesquisadora e Orientadora em Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado na
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – USP. Departamento de
Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - USP.
CRN-3 000077. Possui 13 livros publicados, sendo 4 obras organizadas, e 38
capítulos de livros. Desenvolveu o software Virtual Nutri Plus. Participou de
70 eventos internacionais e 278 nacionais.
A alimentação
exerce importante papel no desenvolvimento e crescimento da criança, sendo esta
fase considerada de risco nutricional, pois as necessidades energéticas e as de
micro e macronutrientes são específicas quando comparadas aos outros estágios
de vida. Neste contexto, para atender à demanda da criança, garantindo a promoção
e manutenção da saúde, são essenciais o planejamento dietético adequado e o
estabelecimento muito precocemente de uma alimentação saudável.
A sustentabilidade
nutricional da criança tem início com o aleitamento materno exclusivo, que deve
ser uma prática fortemente incentivada, e as mães orientadas para prolongar o
aleitamento, fortalecendo o vínculo mãe-filho. O alimento acompanha o ser
humano desde o nascimento. Ao longo da vida, o alimento entra na cadeia afetiva
e passa a desempenhar um importante papel no relacionamento social e de
autoconhecimento.
O estabelecimento
do padrão saudável para a alimentação nos primeiros anos de vida é
imprescindível para a garantia da promoção da saúde da criança, formação de
bons hábitos alimentares e prevenção de doenças, principalmente as DCNTs
(Doenças Crônicas Não Transmissíveis) atualmente presentes da infância até a
fase adulta. A American Dietetic Association (ADA) afirma que crianças de 2 a
11 anos de idade, para alcançar um bom desenvolvimento físico e cognitivo,
precisam de um peso adequado, de alimentos saudáveis, bons hábitos alimentares
e atividade física regular para reduzir as DCNTs.
A alimentação das
crianças com idade entre 2 e 3 anos de idade requer cuidados para atender às
recomendações nutricionais preconizadas e atingir todo o potencial de
crescimento e desenvolvimento. Para atender à demanda do crescimento e
desenvolvimento e garantir a manutenção do organismo nessa fase, é essencial o
estabelecimento de uma alimentação saudável. Esta pode ser entendida como
aquela que promove saúde e necessita ser orientada desde a infância até a idade
adulta. Deve ser equilibrada, com alimentos de todos os tipos, mas
principalmente os de alto valor nutritivo, como frutas, legumes, verduras, e
fibras. Tendo em vista que hábitos alimentares adquiridos na infância tendem a
se perpetuar na vida adulta, estabelecer uma alimentação adequada nessa fase é
importante para garantir uma vida saudável.
Atualmente a
criança está inserida em um ambiente obesogênico, caracterizado pela grande
oferta de alimentos saborosos, de paladar infantil, e de baixo custo, porém
calóricos, ricos em açúcares e gorduras e com pouca quantidade de vitaminas,
minerais e fibras. A falta de atividade física e práticas sedentárias, como ver
televisão e jogos eletrônicos contribuem para o excesso de peso e a obesidade
na infância.
A obesidade, quando
tem início nas primeiras fases da vida, tende a permanecer ou se agravar com o
avançar da idade. A probabilidade de crianças e adolescentes com elevado índice
de massa corporal (IMC) apresentarem excesso de peso ou obesidade aos 35 anos
aumenta significativamente à medida que aumenta a idade das crianças.
Após o aleitamento
materno, que deve ser incentivado até os seis meses de vida e a introdução da
alimentação complementar, a criança passa por períodos de crescimento , mas
também de inapetência. A inapetência aos dois e três anos de idade pode ser
resultado de fatores como: introdução inadequada dos alimentos (prolongando as
papas, leite na mamadeira e retardando a oferta de alimentação da família);
utilização de estratégias com brincadeiras para distrair a criança, fazendo com
que estas ações facilitem a aceitação do alimento, mas impeçam a atenção no que
deve ser ingerido; monotonia na oferta de alimentos; quantidades inadequadas;
rigidez nos horários com as refeições principais muito próximas e oferta
constante de alimentos nos intervalos (troca de alimentos rejeitados por outros
de preferência da criança); ansiedade, insegurança e falta de paciência das
mães, devido ao desconhecimento sobre o comportamento alimentar da criança
nessa fase. O contato com novos alimentos e diferentes formas de preparo,
aliados ao estilo de vida das famílias, constitui um desafio para uma adequada
orientação nutricional.
A criança manifesta
vontade própria para escolher alimentos de sua preferência e deve ser sempre
estimulada a experimentar novos sabores e consistências. O sabor e as outras
propriedades sensoriais dos alimentos, como aparência, textura, odor e cor são
os principais fatores preditores; entretanto, o sabor parece ser o determinante
primário da escolha humana pelos alimentos, independente de sua situação
econômica ou da disponibilidade dos alimentos.
Após o primeiro ano
de vida, a criança ainda depende da mãe para comer e usar os utensílios
(colheres, copos), mas apresenta maior autonomia nas escolhas, pois já foi
apresentada a diferentes alimentos. A partir do segundo ano de vida, essa
autonomia deve ser incentivada, dando oportunidade à criança para utilizar seus
próprios talheres, copos e explorar com as mãos os alimentos (frutas, legumes,
verduras, carnes, pães), possibilitando o reconhecimento de texturas,
temperaturas, odores e sabores.
O estilo de vida
das famílias tem contribuído para que as refeições sejam realizadas
individualmente, impedindo que as crianças tenham a oportunidade de conviver
com os pais e irmãos e vivenciar a refeição em família. A estrutura familiar e
o padrão de consumo de refeições podem influenciar diretamente o consumo e a
escolha alimentar das crianças. Os pais têm um papel fundamental sobre os
filhos, tanto no modelo que representam, mas também como a primeira referência
que a criança tem no estabelecimento de suas preferências e atitudes
alimentares.
As atitudes
alimentares das crianças podem ser reflexo do modelo dos pais, expresso por
práticas alimentares nem sempre adequadas. A frequente substituição de
refeições como almoço e jantar por lanches, provavelmente decorre de vários
fatores, como mudanças no estilo de vida das famílias, falta de tempo,
necessidade de praticidade, influência da mídia, o marketing dos alimentos, a
preferência pelo sabor, o hábito de comer fora, e a oferta de porções de
alimentos cada vez maiores.
Os hábitos
alimentares são formados por meio de complexa rede de influências genéticas e
ambientais. Existem predisposições genéticas para gostar ou não de determinados
gostos, sensibilidades diferentes para alguns gostos e ainda alguns sabores
herdados dos pais. Essa influência genética vai sendo moldada por experiências
adquiridas ao longo da vida. Os sabores apresentados à criança nos primeiros
meses de vida podem influenciar as preferências alimentares futuras, pois uma
vez se familiarizando com o alimento, parece que a preferência permanece nos
hábitos alimentares da criança.
As crianças tendem
a não gostar de alimentos quando forçadas a comer ou quando submetidas a
castigos. A restrição imposta dos alimentos preferidos das crianças também pode
contribuir para um consumo exagerado em situações em que não haja o controle do
adulto. Os pais e cuidadores podem contribuir positivamente para melhor
aceitação dos diferentes alimentos, por meio da estimulação dos sentidos, de
palavras carinhosas e estimuladoras, e em ambiente calmo. Em geral, as crianças
tendem a rejeitar alimentos que não são familiares, mas com exposições
frequentes, cerca de oito a dez vezes, os alimentos podem ser aceitos.
O estabelecimento
dos hábitos alimentares ocorre durante os primeiros anos de vida, por volta de
dois a três anos. A criança aprende a gostar de alimentos que lhe são
oferecidos com frequência e passa a gostar desses alimentos. Recomendam-se
alimentos com baixos teores de açúcar e sal, de modo que esse hábito se
mantenha na fase adulta. Alimentos muito doces, muito salgados ou muito
gordurosos fazem com que as crianças não se interessem por consumir frutas,
verduras e legumes na sua forma natural.
Não são
recomendados nos primeiros anos de vida alimentos como açúcar, café, enlatados,
frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos, biscoitos recheados e outros
alimentos com grandes quantidades de açúcar, gordura e corantes. As crianças já
nascem com preferência ao sabor doce; portanto, oferecer alimentos doces,
bebidas e líquidos adicionados de açúcar faz com que a criança se desinteresse
pelos alimentos salgados, verduras e legumes, fontes de nutrientes importantes.
As crianças podem tomar água durante o dia e suco de fruta natural, sem adição
de açúcar, nos intervalos das principais refeições.
Planejamento dietético individualizado para crianças de dois e três anos
de idade
Entre os aspectos
que devem ser considerados para um planejamento dietético adequado, o
quantitativo deve ser cuidadosamente planejado para se ter bons resultados na
prescrição dietética infantil.
As recomendações
nutricionais devem ser feitas de acordo com a idade, gênero, peso e estatura da
criança. Como exemplo, tem-se para as idades de 1 a 3 anos as seguintes
recomendações (quadro 1), 30 a 40% de gorduras totais, 45 a 65% de carboidratos
e 5 a 20% de proteínas em relação ao valor calórico total da dieta da criança.
Quadro 1. Dietary reference intakes (DRIs) para crianças de 1 a 3 anos
de idade: intervalos de distribuição aceitável dos macronutrientes
Macronutrientes
|
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1 – 3 anos
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Gorduras totais
(ômega 6) ácido linoleico (ômega 3) ácido linolênico |
30 – 40%
5 – 10% 0,6 – 1,2% |
Carboidratos
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45 – 65%
|
Proteínas
|
5 – 20%
|